Não sou amante da cozinha, acho serviço ingrato, porque toma um tempo e gera um caminhão de louça para lavar. Gosto de passar o meu tempo entre plantas, bichos, livros e música. Mas, se não cozinhar, não como. Então vamos a uma receita que faz sucesso por aqui.
1) Pegue sobrecoxas de frango, retire a pele, o excesso de gordura. Coloque numa tigela, cubra com água e acrescente uma boa quantidade de sal, deixando descansar nessa salmoura por cerca de 20 minutos.
Assim que fazemos na vida, ou, a vida faz com a gente. Temos que nos despir, várias vezes, de camadas de pele tóxicas, como amizades ruins, empregos ruins, preconceitos, ideias ultrapassadas. E depois disso, temos que ficar um tempo na salmoura da vida. Quietinhos, para reconhecer o que nos tornamos depois da extração tóxica.
2) Aqueça uma panela de pressão até que fique bastante quente e vá selando as sobrecoxas com um bocado de óleo, até ficarem douradas dos dois lados e reserve. Essa selagem permite que os sucos internos da carne permaneçam e evitam o ressecamento, tornando-as macias. Isso vale para o preparo de outras carnes também, aquelas que necessitam de cozimento posterior.
Quando sairmos da salmoura da vida, é preciso de selagem. Precisamos aprender a nos defender para não vestir a pele tóxica novamente. A gente aprende com o tempo. Um bom remédio é aprender com os erros para não repetir. Não é fácil, a gente erra e erra de novo. Mas, um dia, a casca fica o suficientemente dura e estamos prontos para viver melhor, mantendo nosso suco interno (emocional) suculento e macio.
3) Pique grosseiramente cebolas e alho a seu gosto. Porém, é preciso avisar, uma boa quantidade de cebolas vai garantir um molho encorpado ao final. Utilize a panela de pressão que formou aquela crosta boa da fritura do frango e refogue as cebolas e o alho. Quando estiverem douradas, acrescente as sobrecoxas, um pouco de sal, porque se exagerar vai ficar ruim, lembra da salmoura inicial? Acrescente outros temperos a seu gosto. Eu utilizo páprica doce e colorífico apenas, para dar uma cor boa ao prato.
A vida pede tempero. Não dá para viver da maneira insossa e ainda assim, querer uma vida feliz. Nada é como o tempero da arte! A música, a literatura, o cinema, o teatro, a dança, qualquer forma de arte, são o colorido e o sabor que nos salva de uma vida sem sentido. Mesmo que hoje a gente viva sem tempo, sem espaço, precisamos, ao menos, tentar dar um colorido, senão diário, mas periódico nessa jornada, para não chegar lá frente afirmando: - Eta vida besta!
4) Acrescente água, um pouco menos do que cobrir totalmente frango, feche a panela, aguarde pegar pressão e cozinhe em fogo brando por 8 minutos.
Talvez seja esse o nosso grande desafio: aguardar! Um minuto, quando se espera ansiosamente por alguma coisa, demora uma eternidade. Ao passo que horas e horas vividas com alegria e prazer, passam em um minuto. Mas, aguardar, ter paciência enquanto não alcançamos sonhos e objetivos é duro. Ninguém gosta de esperar. Mas, tem o velho ditado que diz , quem tem pressa, come cru e quente. Querendo a gente ou não, há um tempo necessário para cozinhar os alimentos e também para chegar em algum lugar na vida. A gente vai estar sempre esperando por alguma coisa e poderíamos substituir esse tormento por esperançar, ter esperança nos mantem vivos, emocionalmente vivos.
5) Espere o vapor sair da panela e abra. Dê uma boa mexida para diluir os temperos em molho. Verifique se temos um caldo grosso, em caso negativo, deixe apurando até conseguir esse caldo. Acrescente, então, ervas frescas picadas, eu uso salsinha e coentro!
(Coentro causa polêmica, ou se ama, que é meu caso, ou se odeia. Escolha você mesmo os verdinhos preferidos)
A escolha dos temperos da vida é livre. Livre como deveria ser todos nós. O que é bom para mim, pode não ser para você. É temerário querer definir um padrão rígido para a felicidade. Somos diversos, assim com são diversas as formas de encontrar alegria e prazer. Eu sugiro a arte como o lápis de cor para colorir a vida, mas você certamente pode ter outros interesses. É só a gente não esquecer que precisamos procurar prazer, não apenas trabalhar, trabalhar e trabalhar.
6) O frango pode ser servido com arroz e feijão, só arroz e salada. Eu gosto de comer com espaguete que faço no alho e óleo. Uso o molho do frango como molho do macarrão.
E assim fica pronta a nossa receita, como a guarnição do frango, você pode escolher as suas companhias, quem vai estar no prato da vida com você ou brilhar sozinho. Somos livres, nascemos livres. As imposições da vida são muitas e nos impedem de exercer essa liberdade? Sim! Mas se a gente não se afastar muito da gente mesmo, talvez vamos sentir um pouco o gosto dessa liberdade em doses homeopáticas e necessárias.
Esse texto surgiu na minha cabeça enquanto eu fazia o frango de panela.
Se você quiser apenas a receita, basta ler os parágrafos numerados.
Observe que eu não coloquei nessa receita quantidades exatas de ingredientes, pois, assim como na vida, não existe receita mágica para dar certo. O que conta mesmo é a experiência! Depois de tanto fazer esse prato é que consegui um equilíbrio satisfatório.
A vida também é assim, um eterno treino. Eu fiz muitas bobagens até aprender a cozinhar. Na vida, também fiz bobagens e ainda estou aprendendo a lidar com ela.